sábado, 29 de agosto de 2009

Ela II


E ela vivia em êxtase, desde então. A tão sonhada liberdade, o conhecimento de si mesma, a auto-aceitação. Vivia de cidadela em cidadela, na estrada, com a mochila nas costas cada vez mais cheia de bagagem, mas, incrivelmente, cada vez mais leve. Dormia ao relento, com os olhos fechados vendo as estrelas. As mais belas, claro. Cada dia uma (ou mais) estrela nova brilhando no fundo dos olhos. Fazia sol dentro dela.
Sorria. Simplesmente sorria. Não importava o dia, a hora ou o lugar. A companhia, a fala ou o silêncio. Apenas sorria. Feliz. Completa.
Claro que o caminho reservava algumas curvas perigosas e bifurcações, trifurcações, quadrifurcações... Mas ela confiava em si mesma e no instinto para escolher os melhores passos. E, caso errasse, não custava nada retroceder e recomeçar. Não há mal algum em errar! Tinha sempre a certeza de que nunca se perderia a ponto de não poder recomeçar.
Às vezes, parava erguia os olhos aos céus e apenas contemplava. Quão maravilhoso é o universo!
Tinha dias que caminhava acompanhada. Mas sabia que, no fundo, sempre acabaria só. Não de um jeito triste, não solitária, afinal, sempre se pode juntar o caminho ao de alguém por algum tempo, mas sozinha, acompanhada apenas de si mesma, porque o caminho de cada um é sempre único e ninguém percorre o mesmo caminho que a gente. Se percorre, é porque não sabe se aventurar. Não tem coragem. E isso é triste.
Agora ela entendia. Compreendia que cada um tem o seu caminho e que não adianta tentar convencer ninguém a andar atrás da gente, repetindo as mesmas escolhas. E, mesmo que alguém venha exatamente atrás da gente, os pés não pisarão nas mesmas pedras. Mas que chato deve ser copiar o caminho de alguém! Não ter a coragem necessária para colocar a própria mochila nas costas e seguir. Escolher.
Ela encontrou pessoas perdidas. Mas não soube lhes indicar a direção. Arriscava alguns palpites, mas sabia que a escolha final não era dela. Como demorou a entender isso!
Encontrou também pessoas arrastando outras pessoas pela corrente. Achou triste. Cada um deveria poder escolher para onde quer seguir. Mas tem gente que, simplesmente, não liberta o outro. Ou não se liberta.
Ela se libertava, pouco a pouco e cada vez mais, de todas as correntes que a prendiam. A maioria ela percebeu que foi ela mesma quem se infligiu. Ela mesma se acorrentou. Mas agora ela sabia apenas do seu caminho. Sabia de onde vinha e do que a influenciava. Sabia quem tinha mais peso em suas escolhas e compreendia o porquê de suas decisões.
Ela estava leve. Segura.
Às vezes chovia. Tinha dias em que não havia sol. Mas ela pegava seu guarda-chuva vermelho e seguia mesmo assim. E, quando nem o sol de dentro amanhece, ela acende uma luz artificial. Não tem a mesma força e não dá a mesma energia, mas impede que a escuridão total a tome. Ela não vai permitir que nenhuma chuva ou escuridão faça com que ela pare para sempre. E ela sabe que tem a força para isso. Ela sabe que todos temos. Ela é livre. Tem a alma livre!

O vestido ainda esvoaçava e ela ainda corria. Mas também andava. Dormia tranquila, sob e sobre as estrelas. E sorria. Sim, ela sorria!

10 comentários:

Unknown disse...

E assim ela seguia a vida, ora a natureza acentuando sua psicologia de menina, ora o corpo exigindo seu exercício de mulher. Mas a estrada, que nem sempre se mostrava retilínea, exibia-lhe também determinados encantos que preservavam sua doçura.
Mas ela deveria conversar com o seu coração, pois haveria dias em que apenas bater dentro do peito já doeria de maneira incompreensível a qualquer ser humano.
"O que fazer então?" - Ela pensou de maneira aflita.
Veio sua idéia luminosa:
"Deitarei meu coração num travesseiro de esperanças!"

bjs e boa semana

Luna Sanchez disse...

Paloma,

O texto todo é lindo, parabéns, mas só "fazia sol dentro dela" já teria valido...que delícia, isso.

Calor e liberdade, mistura perfeita!

Beijos de domingo,

ℓυηα

A.S. disse...

Paloma...

Uma delicia de texto!!!


Beijos...

Pablo Lima disse...

excepcional! a construção "que chato deve ser copiar o caminho de alguém" ja valeria o comentário aqui!

parabéns!

Thays Petters disse...

o blog sempre lindo!

Fernαndα disse...

não sei bem o pq,
posso estar comentando um erro grotesco,
mas me lembrou clarice.
em seu aspecto de ver a simplicidade no complexo, das coisas cotidianas mechendo no intimo destas.
gosteeei!
;D

Alê Quites disse...

Lindo!

Anônimo disse...

Trilhar o próprio caminho, sem dúvidas, sem medo, sem ansiedade de saber o quê virá, é uma qualidade de poucos pois é difícil quebrar o marasmo da rotina e se libertar dos grilhões do comodismo.

Mas a liberdade é pra quem se atreve, pra quem quer tudo o quê a vida tem para oferecer. Não só as coisas boas, pois as más nos ajudam a crescer e amadurecer.

Parabéns pra vc pelo texto, e para ela que se libertou...

Bjokas.

carlos massari disse...

é estranho pra mim esse mundo cheio de luz e roupas coloridas, mas, mesmo assim, texto muito bom.

Valéria Martins disse...

Que maravilha! Assim é que se fala (ou melhor, escreve)!